“In this great galaxi Amatus takes no means rank”
          Friedenwald
        
        1511: Nasce na então gloriosa 
          vila de Castelo Branco aquele que viria a ser conhecido como o Príncipe 
          da Medicina Portuguesa. De seu verdadeiro nome João Rodrigues, 
          “a si mesmo viria a designar-se, longe da Pátria, João 
          Rodrigues de Castelo Branco ou Joanne Roderico de Castelli albi Lusitano, 
          conforme se lê na fachada do primeiro dos seus livros impressos”(1). 
          É, sem dúvida, um dos personagens mais famosos da nossa 
          história científica e, verdadeiramente, uma das grandes 
          glórias da Beira Baixa e do nosso país. Pouco se sabe 
          acerca da sua família, a não ser que tinha dois irmãos, 
          Pedro Brandão e José Amato, este último veio a 
          encontrá-lo, mais tarde, em Roma. Há ainda a destacar 
          outro familiar de Amato Lusitano, Pyrrho Lusitano, seu primo, mais conhecido 
          por Diogo Pires, com quem se encontrou muitas vezes na sua vida trabalhosa 
          e de quem fala nas suas centúrias. Diogo Pires é conhecido 
          como um dos mais ilustres poetas latinos do seu tempo e como um notável 
          hellenista.
          Não se sabe, igualmente, se foi casado nem se teve descendência.
        
          1526: O jovem e promissor homem da ciência matricula-se 
          na Universidade de Salamanca, na época a mais célebre 
          universidade da península “ao passo que a Universidade 
          Portuguesa ainda aguardava as reformas de D. João III, em atraso 
          dos grandes acontecimentos nacionais”(2). 
          
          Na velha cidade do Tormes cruza-se com outros homens doutíssimos, 
          entre eles avulta André Laguna, Luiz Nunes e João Aguillera. 
          
          De grande capacidade intelectual, e adverso à vida boémia 
          e nocturna que caracterizava os estudantes peninsulares, Amato conclui 
          os estudos em apenas quatro anos. “A idade com que Amato frequentou 
          a Universidade, entre os 14 e os 18 anos, não é de molde 
          a sugerir que um estudante em tão verdes anos acamaradasse com 
          os veteranos da Escola nas estúrdias a que a mocidade é 
          propensa. De modo que Amato foi realmente estudante na acepção 
          directa e funcional do termo. A bagagem científica adquirida 
          naqueles quatro anos é de tal modo vasta que não haveria 
          tempo para o mais quer que fosse.”.(3)
          “O curso médico abrangia o bacharelato em Artes, a frequência 
          da cadeira de Filosofia natural e a de duas cadeiras de Medicina, de 
          prima e de vespera.(...)Depois do bacharelato em Artes, frequentava 
          o aluno médico por espaço de três anos as duas cadeiras 
          de Medicina, seguindo também nos dois primeiros a de Filosofia 
          Natural, onde eram explicados os textos de Aristóteles sobre 
          a metafísica, a moral, a política e a canónica.”(4) 
          Esta avultada soma de conhecimentos no campo das humanidades tornou-o 
          um perito em latim e grego. Mas a sua erudição ia mais 
          longe estendendo-se também ao hebraico, ao árabe e às 
          línguas vivas - italiano, francês, alemão e inglês, 
          “tudo isto com a aprendizagem dos textos de Galeno, Hipócrates, 
          Dioscórides, Avicens, Averrois, etc”.(5) 
          
          Depois de concluir o curso, Amato abandona Salamanca e regressa à 
          sua saudosa pátria, pronto a exercer a profissão que lhe 
          iria granjear os maiores sucessos e a imposição do seu 
          nome em vários tratados médicos.
        1529: João Rodrigues de Castelo 
          Branco chega a Portugal acompanhado do seu condiscípulo Luiz 
          Nunes. Durante o escasso e passageiro tempo que passou em terras lusas, 
          Amato praticou com entusiasmo a Medicina e dedicou-se afincadamente 
          a uma área que considerava deveras interessante: a botânica. 
          Este interesse pelas plantas já vem desde os seus tempos áureos 
          passados na cidade banhada pelo Tormes e em Portugal esse gosto vai 
          aumentar à medida que se desloca de cidade em cidade fazendo 
          várias explorações botânicas, “de que 
          nos dá copiosos ensinamentos. E não apenas acerca da flora 
          metropolitana, mas das espécies que doutras regiões a 
          que os portugueses aportaram nos vinham e para ele constituíam 
          motivos de indagação, de interesse e de estudo. De caminho, 
          dá-nos conta dos usos e costumes das nossas gentes, das produções 
          do solo, do comércio e até de princípios de higiene 
          alimentar”. (6) Castelo Branco, 
          Évora, Estremoz, Guarda, Sabugal, Niza, Santarém foram 
          algumas das cidades eleitas pelo médico judeu mas foi em Lisboa 
          que se demorou mais tempo e a única onde afirma ter exercido 
          clínica.
          Também em Lisboa devia ter colhido grande número de informações 
          sobre produtos que vinham do nosso opulento domínio ultramarino, 
          conquanto algumas fossem completadas depois. Das ilhas de Cabo Verde 
          e Madeira nos fala, assim como de produtos vindos da Índia e 
          excepcionalmente do Brasil. 
          Amato procurava tirar todo o fruto que das viagens dos nossos navegantes 
          se podia colher para as ciências histórico-naturais, examinando 
          cá os produtos que nos traziam. Pretendia com isto aproveitar 
          as propriedades terapêuticas das várias plantas. 
          Contudo, o esplendor de uma vida calma e pacífica havia de ter 
          os dias contados, já que o caos e a desordem começariam 
          a surgir num país dominado pela Inquisição. Amato, 
          prevendo, atempadamente, o futuro que se fazia adivinhar, calculou que 
          esta era a altura ideal para abandonar Portugal. E assim fez.
        
        1534: Antuérpia vai ser a cidade 
          que o vai acolher durante sete anos, lugar favorável e tranquilo 
          para os judeus. Aqui cria “um prestígio que transpôs 
          as fronteiras, sendo chamado a outros países ou atraindo clientes 
          de polpa vindos de longe”(7). Frequentou 
          a Casa de Portugal e a Feitoria de Flandres e “ao abrigo das perseguições, 
          das denúncias e dos familiares do Santo Ofício, conviveu 
          com homens de ciência, humanistas e filósofos, escritores 
          e artistas; ali encontrou, refugiados como ele, cristãos-novos 
          e «marranos», muitos dos quais médicos eminentes 
          – a tal «gente de nação» que o Portugal 
          desse tempo exportara fartamente para todos os cantos do Mundo.”(8) 
          Certamente que a Inquisição não deve ter servido 
          unicamente de pretexto para o abandono da pátria. “A curiosidade 
          científica que não podia facilmente mitigar, propelia-o 
          a conhecer outras terras aureoladas de prestígio científico 
          que aqui faltava” (9). Afinal 
          Amato desejava sempre aperfeiçoar-se e instruir-se mais. 
          Em Antuérpia completou e ampliou os seus conhecimentos médicos, 
          tendo sido nesta cidade que publicou o primeiro livro impresso em latim, 
          o célebre Index Dioscorides e iniciou os Comentários a 
          Dioscórides, - obra sobre o mesmo assunto do Index Dioscorides 
          mas com muito maior desenvolvimento - tendo sido, inclusive, um dos 
          primeiros comentadores a fazê-lo no século XVI. O Index 
          Dioscorides, publicado em 1536, constitui um valioso trabalho sobre 
          simples e drogas, raríssimo em Portugal, existindo apenas um 
          exemplar na Biblioteca de Évora. Nesta obra, Amato descreve as 
          plantas confrontando as suas observações com as de Dioscórides. 
          Nele refere-se a algumas plantas indígenas de Portugal e a produtos 
          das ilhas de S. Tomé e Madeira. Como já foi dito, Amato 
          sempre teve um particular interesse pela Botânica que será 
          conjuntamente com a Anatomia os dois sectores predilectos do quinhentismo 
          médico.
          Durante a estadia na cidade flamenga conviveu com homens eminentes, 
          médicos e humanistas, tais como, Luís Vives, Conrado Goclénio, 
          Luís Nunes, Mestre Dionísio, Manuel Brudo, etc.
        
          1541: Deixa Antuérpia e fixa-se em Ferrara, 
          “seduzido pelas promessas de Hercules II d’Este, um dos 
          filhos de Lucrécia Borgia. De facto, este permitiu aos judeus 
          convertidos violentamente, que tinham fugido do forno de Portugal (...) 
          que se fossem estabelecer nos seus estados e que seguissem as práticas 
          da sua religião(...)”.(10) 
          Naquele tempo Ferrara era um notabilíssimo centro de estudos 
          médicos e uma das cidades mais modernas da Europa. Lugar onde 
          vai permanecer durante seis anos. Em Ferrara é chamado a tratar 
          papas, cardeais, príncipes, embaixadores generais com a mesma 
          delicadeza e atenção que trata soldados, mercadores ou 
          marinheiros. Sendo a Universidade de Ferrara uma das mais prestigiadas 
          universidades de Itália, João Rodrigues de Castelo Branco 
          orgulhou-se de exercer, conjuntamente com o seu amigo João Rodrigues 
          Canani, a função de regente da cadeira de Anatomia naquela 
          instituição académica. Foi desta colaboração 
          que surgiu a primeira referência às válvulas das 
          veias ázigos. Ali se consagrou à explicação 
          dos textos de Galeno e Hipócrates. Nas horas de repouso escreve 
          os Comentários a Dioscorides e redige as Centúrias Médicas, 
          o seu grande tratado de clínica. Na realidade “a residência 
          numa cidade como esta, onde as letras e as ciências eram apreciadas 
          e cultivadas, devia agradar mais a um espírito elevado como o 
          de Amato do que a demora numa terra, como Antuérpia, dada apenas 
          ao tráfego comercial.”(11)
          Trava conhecimento com ilustres médicos: Savonarola, Hugo de 
          Sénis, Leoniceno, Bonaciolo, Manardo. De todos eles, António 
          Musa Brasavola e João Baptista Canani, foram aqueles com quem 
          estabeleceu relações mais amigáveis. Teve no primeiro 
          o amigo predilecto, chegando mesmo a discutir assuntos médicos 
          em comum, e será este a aconselhar Amato a dirigir-se para Ragusa. 
          Quanto a Canani, sabe-se que com ele travou uma acérrima luta 
          quanto à primazia da descoberta das válvulas das veias. 
          Muitas acusações foram-lhe severamente dirigidas nomeadamente 
          a de plágio por parte daqueles que atribuíram a Canani 
          a descoberta das válvulas da veia ázigos. Mas se Canani 
          teve o reconhecimento por parte de alguns, isso deve-se ao facto de 
          Amato constá-lo nas Centúrias, referindo-o como seu colaborador. 
          José Lopes Dias, afirma, numa das suas obras, que o médico 
          português “tem a primazia do descobrimento das válvulas 
          das veias, conforme demonstrámos noutro lugar contra a opinião 
          dos historiadores italianos. O facto não oferece dúvidas 
          e encontra-se corroborado na biografia norte-americana de Friedenwald”.(12)
          Apesar da descoberta ser geralmente atribuída “a Fabricio 
          d’Acquapendente, que em 1574, as demonstrou, notando que estavam 
          sempre voltadas para o lado do coração, muito antes de 
          Fabricio, em 1547, tinha-as observado Amato, de companhia com o seu 
          amigo João Baptista Canani”.(13)
          Ainda que possam existir certas confusões em torno desta questão, 
          não há dúvida que Amato foi o primeiro a descrevê-las.
        1547: Amato Lusitano muda-se para Ancona 
          onde viviam milhares de portugueses cristãos-novos que, tendo 
          sido expulsos de Portugal, encontraram nesta cidade da Península 
          Itálica uma certa protecção por parte do Papa chegando 
          mesmo a edificar ali uma sinagoga. 
          Durante este período deslocou-se a Veneza para tratar Diogo Hurtado 
          de Mendoza, embaixador de Carlos V, que cordialmente lhe ofereceu hospedagem, 
          estabelecendo-se entre ambos uma profícua amizade. “Os 
          obsequios que recebeu de Diogo de Mendoza tinham como explicação 
          os serviços que o nosso compatriota lhe prestara como médico. 
          Ao chegar a Veneza, encontrara-o doente e rapidamente o curara. Por 
          intermédio dele certamente, conheceu o seu correligionário 
          Jacob Mantino, a quem chama doutíssimo médico e perito 
          em muitas línguas”.(14) 
          Através de Mantino, o nosso médico português é 
          influenciado a efectuar uma tradução completa de Avicena. 
          Tal não viria a acontecer devido ao falecimento de Jacob Mantino. 
          Contudo, Amato ainda “reviu o manuscrito da 4ª Fen do 1º 
          livro de Avicena, sobre o qual escreveu um comentário que estava 
          a ponto de dar à luz. Não foi possível. Quando 
          mais tarde os agentes de Paulo IV perseguiram novamente os judeus, e 
          Amato se viu obrigado a fugir precipitadamente de Ancona, o comentário 
          foi apreendido e não houve meio de reavê-lo mais”.(15)
          Privou com médicos venezianos pois “havia em Veneza médicos 
          ilustres, não só considerados na prática como competentes, 
          mas eruditos e dados ao estudo das ciências e letras. Quatro são 
          lembrados por Amato: Baptista Montano, Victor Trincavella, Bartholomeu 
          Labioso e Orsato”.(16) 
          A 1 de Dezembro de 1549 termina a primeira das suas centúrias 
          medicinais. Ancona contava no seu seio médicos ilustres, que 
          Amato rememora. Estabeleceu relações proveitosas com Jacoba 
          del Monte, irmã do Papa Júlio III “que o chamou 
          como clínico e que certamente influiu mais tarde para a sua ida 
          para Roma. Sobrinho desta senhora era o governador de Ancona, Vicente 
          de Nobilibus, a quem Amato mereceu também aceitação 
          e estima.”(17)
        1550: Dirige-se a Roma para tratar o 
          Papa Júlio III duma enfermidade das vias respiratórias 
          e que nesse ano tinha sido eleito e sagrado. Prestou, inclusive, serviços 
          clínicos a pessoas de família do Papa Júlio III, 
          que igualmente tratou em Roma. “Junto do papa vinha encontrar 
          o seu condiscípulo André Laguna e está-se a ver 
          o contentamento com que se avistariam de novo, ao cabo de 20 anos, dois 
          homens que haviam frequentado juntos as aulas de Salamanca, e que vinham 
          encontrar-se , um cheio de honras e no auge da consideração, 
          outro sem estas distinções mas com não menos renome”.(18) 
          
          Nesta cidade italiana permaneceu pouco tempo, digamos que o suficiente 
          para conhecer figuras notáveis na corte de Júlio III, 
          entre elas, consta a do embaixador Afonso de Lencastre com quem teve 
          relações estreitas e elogia-lhe as suas grandes capacidades 
          intelectuais. Mas o que mais o comoveu foi o reencontro com o seu irmão 
          José Amato nesta cidade italiana.
        1551: Dirige-se, então, a Florença 
          “onde assistiu por pouco tempo, e deu à luz a primeira 
          das suas centúrias medicinais, dedicada a Cosme de Medicis.” 
          Nesta cidade permanece escasso tempo.
        1552: Por esta altura já se encontra 
          instalado novamente em Ancona, pois ali os judeus mesmo não tendo 
          as regalias que desejavam orgulhavam-se de possuir uma sinagoga e gozar 
          de alguma segurança. Aqui encontra-se com o poeta Diogo Pires 
          e recebe a visita de seu sobrinho Brandão que estudou em Itália, 
          sob a direcção de Amato. São vários os médicos 
          que João Rodrigues de Castelo Branco conheceu em Ancona e a eles 
          se refere nas diversas obras que escreveu. Relembra também a 
          vasta clínica que possuía acolhendo as pessoas mais graves 
          da cidade que recorriam ao seu préstimo como clínico. 
          “Demorar-se-ia Amato por muito tempo em Ancona e nela acabaria 
          tranquilamente os seus dias se não fosse a perseguição 
          de que foi alvo por parte dos agentes de Paulo IV que recentemente subira 
          ao solio pontifício e se mostrava rigorosíssimo na perseguição 
          dos judeus”(19). “O 
          novo Papa Paulo IV tinha ideias diferentes do seu antecessor e a tolerância 
          existente, deixando viver em paz os milhares de portugueses ali residentes 
          desvaneceu-se para dar lugar à mais negra intolerância.”(20) 
          
          É então, por esta altura, que se dá a perseguição 
          de Amato. Este “para não ser vexado pelos emissários 
          do papa fugiu para Pesaro e depois para Ragusa. Esses agentes apoderaram-se 
          de tudo quanto possuía: oiro, prata, panos palacianos, vestidos 
          preciosos e não poucas alfaias. A sua bem provida biblioteca 
          – e rica devia ser, a ajuizar do grande número de autores 
          que cita nas suas obras, - não escapou aos terríveis beleguins. 
          Mais do que tudo, o médico português lamentava a perda 
          de dois manuscritos seus: um o da 5ª Centúria das suas Curas 
          Medicinais, que estava quase concluído, e outro os seus Comentários 
          sobre a quarta Fen do livro I de Avicena, cujo texto havia sido fielmente 
          vertido por Jacob Mantino, e revisto por Amato.”(21)
        1555: Segue-se Pesaro, cidade dominada 
          pelos duques de Urbino onde se refugia por algum tempo. Amato descreve-a 
          como uma cidade nobre e magnífica. 
          Nos primeiros tempos da sua residência neste sítio, o ilustre 
          médico apenas se preocupou com o roubo que lhe tinha sido feito 
          e com a maneira de o reparar. Abrahão Catalão, seu amigo, 
          convence-o a escrever aos comissários de Paulo IV pedindo-lhes 
          a devolução das obras apreendias. Amato assim fez, mas 
          até si só chegou a centúria 5ª das suas curas 
          medicinais. “Nos poucos meses que residiu em Pesaro, não 
          era possível que o médico português tivesse larga 
          clínica e observasse numerosos casos que merecessem registo. 
          De facto, apenas 31 das suas curas se referem a esta cidade. Também 
          não são muitas as referências a pessoas notáveis 
          que aí encontrasse.”(22) 
          Aqui sentiria o desprezo que era depositado nos judeus por parte do 
          duque reinante de seu nome Guido Ubaldo, soberano devasso quanto a costumes 
          e cujos sentimentos não assentavam na tolerância. A partir 
          do momento em que os judeus não lhe traziam quaisquer benefícios 
          Guido Ubaldo não tomou outra medida senão a de exilá-los. 
          “Amato não esperou pela expulsão para deixar Pesaro. 
          Conquanto não possa fixar-se com exactidão a data da sua 
          saída, deve ter-se efectuado entre o fim do mês de Maio 
          de 1556, em que ainda estava nesta cidade, e 9 de Agosto do mesmo ano, 
          em que já se fixara em Ragusa.”(23)
        1556: O ilustre médico e humanista 
          desloca-se para Ragusa, hoje Dubrovnik, na altura uma cidade pequena, 
          antiga e muito semelhante a Veneza situada na província austríaca 
          de Dalmacia, numa península banhada pelo mar Adriático. 
          
          Recorde-se que Amato Lusitano foi recomendado por Brasavola ao embaixador 
          da República de Ragusa quando este procurava um médico 
          idóneo e douto para residir naquela cidade. “Recebido com 
          alta consideração pelo senado ragusino, ali exerceu com 
          o maior prestígio a profissão e o seu nome é deveras 
          apreciado na história médica jugoslava.”(24)
          Contudo, “a vida do médico português apresenta agora 
          menos interesse. Não tem aí o convívio dos sábios 
          e letrados que tivera em Ferrara e em Roma”.(25) 
          Mas o seu prestígio cresce de tal forma que a Ragusa chegavam 
          pessoas atraídas pela sua fama e habilidades médicas. 
          Amato era indiscutivelmente uma autoridade e enciclopédia médica 
          do seu tempo deixando uma marca indelével na vida quotidiana 
          desta cidade do mar Adrático. Aqui exerce a sua actividade clínica 
          durante cerca de três anos bem como escreve a Sexta Centúria. 
          
          Por esta altura surge um pequeno incidente pois Amato reconhecia o valor 
          e autoridade dos clássicos gregos, latinos e árabes mas 
          sempre que verificava imperfeições não se coibia 
          de afirmar divergências e de emendar Dioscórides, Plínio, 
          Galeno e Avicena e também não receava discordâncias 
          com os seus contemporâneos chegando a repreendê-los e a 
          censurá-los. Foi o que aconteceu nos Comentários sobre 
          Dioscorides com o título de In Dioscoridis Anazarbei libros quinque 
          enarrationes eruditissimae. “Neste livro, Amato não se 
          mostra tão afecto à autoridade que se não permita 
          discordar do que a respeito de plantas medicinais haviam escrito os 
          antigos e os modernos”.(26) 
          Entre os escitores que se ocuparam da matéria médica está 
          Mattioli, um dos mais ilustres comentadores de Dioscorides a quem Amato 
          enumera os erros em que este caiu. Iniciam-se, assim, uma série 
          de discussões, críticas e censuras entre os dois autores 
          que culminam com a saída do médico lusitano de terras 
          croatas pois “a atmosfera anti-semítica agora dimanada 
          da autoridade papal não era tranquilizadora. E por isso mais 
          uma vez tenta encontrar refúgio e acolhimento favorável 
          noutros lugares”.(27)
        1559: Dirige-se a Salónica em 
          Maio deste ano. Esta cidade da Turquia era o porto de abrigo para dezenas 
          de judeus errantes fugidos dos tentáculos ameaçadores 
          e poderosos da Inquisição. “Para a situação 
          que os judeus tinham na Turquia muito concorria o valimento que junto 
          do sultão adquirira José Nasci, a quem Amato dedica a 
          quinta centúria das suas Curas Medicinaes.”(28) 
          Este mostrou ao sultão Solimão II as vantagens comerciais 
          e financeiras que a Turquia podia obter ao acolher as famílias 
          judaicas. A influência que o seu nome exercia na corte permitiu 
          o estabelecimento de um grande número de famílias judaicas 
          provenientes de Portugal e Espanha em território turco.
          Os “anos passados em Salónica não são dos 
          menos activos da vida de Amato(...) A sua actividade científica 
          não esmorece, visto que de Salónica são datadas 
          as três últimas centúrias, conquanto só a 
          derradeira contenha observações colhidas nesta cidade.”(29) 
          No entanto, faltava-lhe o convívio científico que tanto 
          amava. Em Salónica escreve o seu famoso Juramento, incluído 
          nas Centúrias.
        1561: Publica a sua Sétima Centúria. 
          “A obra clínica de Amato consta de sete centenas (ou centúrias) 
          de histórias clínicas que ele denomina «curas»- 
          são histórias clínicas, como hoje diríamos, 
          encontra-se nelas a descrição de variadas doenças. 
          Algumas ainda agora teriam valor, mas a maioria sofre naturalmente da 
          influência da medicina árabe e galénica. Mas tal 
          como sucedeu na Anatomia, o peso da tradição medieval 
          era grande de mais para o poder deixar de lado”.(30) 
          As Centúrias de Curas Medicinais ilustram a argúcia e 
          o brilhantismo do seu pensamento e são, sem dúvida, um 
          repositório monumental de sabedoria clínica da época 
          e o mais autorizado documento médico do século XVI subscrito 
          por um português.
        1568: A peste instala-se em Salónica. 
          “Amato, com o alto sentimento de dever lança-se com ardor 
          e convicção no combate pela vida do seu semelhante e aí 
          no seu posto perde a preciosa existência tão atribulada, 
          mas tão gloriosa também”.(31) 
          Resta-nos salientar que este médico competente e inteligente 
          “foi uma alma inquietante, curiosa, ávida de saber e de 
          aperfeiçoamento. Ainda que nele domine a filosofia da nova idade 
          e seja essa a razão do seu merecimento não há dúvidas 
          que o seu espírito foi sulcado pelas contradições 
          e antinomias do tempo: de um lado chamavam-no as autoridades antigas, 
          Galeno, Avicena e a tradição escolástica; do outro 
          atraía-o a «nuova scienza», com a sua atitude objectiva, 
          crítica, criadora e livre, voltada para a natureza e para o homem, 
          despida das fantasmagóricas científicas da Escolástica 
          de um la                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         do, o exercício da razão no livre exame da realidade, 
          no conhecimento assente na experiência, na «fé intacta 
          das coisas», como ele próprio diz do outro, os preceitos 
          do antigo sistema aristotélico-escolástico contidos nos 
          textos”.(32) 
        
          Notas
         1 DIAS, 
          José Lopes, Amato Lusitano - Cidadão de Castelo Branco, 
          Castelo Branco,1956, p.1.
          2 Ibidem.
          3 CORREIA, Maximino, 
          Alguns passos da vida de Amato Lusitano, Academia das Ciências 
          de Lisboa, 1968.
          4 LEMOS, Maximiano, 
          Amato Lusitano, a sua vida e a sua obra, Eduardo Tavares Martins editor, 
          Porto, 1907, p. 19-20.
          5 CORREIA, Maximino, 
          Idem.
          6 Idem.
          7 Idem.
          8 D’ESAGUY, 
          Dr. Augusto, Oração e Juramento Médico de Moisés 
          Maimonde e Amato Lusitano, Lisboa, 1955, p. 23.
          9 CORREIA, Maximino, 
          Idem.
          10 LEMOS, Maximiano, 
          Idem, p. 81.
          11 Idem., p.81.
          12 DIAS, José 
          Lopes, Idem, p. 6.
          13 LEMOS, Maximiano, 
          Idem, p. 181.
          14 Idem, p. 101.
          15 Idem, p. 102.
          16 Idem, p. 103.
          17 Idem, p. 106.
          18 Idem, p. 113.
          19 Idem, p. 132.
          20 CORREIA, Maximino, 
          Idem.
          21 LEMOS, Maximiano, 
          Idem, p. 135.
          22 Idem, p.140.
          23 Idem, p. 142
          24 DIAS, José 
          Lopes, Idem, p. 5
          25 LEMOS, Maximiano, 
          Idem, p. 145.
          26 Idem, p. 147.
          27 CORREIA, Maximino, 
          Idem.
          28 LEMOS, Maximiano, 
          Idem, p. 156.
          29 Idem, p. 167.
          30 GUERRA, Prof. 
          Miller., Idem, p. 13.
          31 CORREIA, Maximino, 
          Idem.
          32 GUERRA, Prof. 
          Miller, Idem, p.17.